Bom exemplo: conheça patrimônio tombado em Salvador apontado como o mais antigo bem conservado
- Nilson Carvalho
- há 3 dias
- 5 min de leitura

Primeiras construções datam de 1549
Diante de uma coleção de patrimônios tombados em Salvador que acumulam marcas do efeito do tempo e colocam em risco a segurança de quem passa por eles, é hora de olhar para o caminho contrário. Com a ajuda de uma lista do Iphan dos bens tombados da cidade e os conhecimentos de historiadores, foi possível chegar ao exemplo mais antigo mais bem preservado para entender o segredo dessa matemática.
Como como o historiador Pablo Magalhães, professor associado na Universidade Federal do Oeste da Bahia, a Santa Casa da Bahia foi fundada em 1549, na frente da Ladeira da Misericórdia, durante o comando do então Governador-Geral do Brasil Tomé de Sousa. A iniciativa parte da Rainha de Portugal D. Leonor de Lencastre, como parte da missão expansionista do país pelo mundo. O objetivo principal era ser uma associação beneficente de assistência social que cuidaria de enfermos.
Com o tempo e a escassez das doações que contribuíram para o seu crescimento, a Santa Casa da Bahia encontrou caminhos rentáveis para a autossustentabilidade, também baseados na expansão pela cidade e diversificação de áreas de atuação.
Ações
É na Pupileira que funciona atualmente um centro de memória gerido com recursos próprios com documentos que retratam a história da instituição desde o século 17 até os dias atuais. É a partir dos tesouros deste espaço que surgem livros publicados desde 2013 com assinaturas de nomes como Antonio Risério, Nelson Cadena e Paulo Segundo da Costa.
A preocupação é preservar tanto a memória quanto as estruturas físicas. No Palacete da Misericórdia, que data de 1549, um museu criado em 2006 iniciou um planejamento estratégico sistemático que prevê a identificação de possíveis riscos, a listagem deles por nível de importância e a busca ativa por possibilidades de investimentos para executar a preservação.
Altar da Igreja da Misericórdia
Altar da Igreja da Misericórdia Crédito: Arisson Marinho/CORREIO
“Inicialmente, ali existia uma construção rústica, de taipa e palha, como quase tudo na cidade. Depois, veio alvenaria, pedra e cal. À medida que a cidade foi se consolidando, essas mudanças foram acontecendo, a partir da disponibilidade de recursos financeiros e humanos, muito baseados na mão de obra indígena e no dinheiro do açúcar”, diz o historiador.
“Podemos dizer que são construções sobreviventes devido às mudanças. Vale lembrar que, durante a invasão holandesa, no século 17, os prédios da Santa Casa foram vandalizados e serviram até como hospital, ocupados pelos holandeses durante um ano como ponto de apoio para cuidar dos feridos. De 1622 a 1874, também serviu de cuidados para presos pela falta de hospitais ao longo do período imperial”, acrescenta Pablo.
Para dar conta da preservação, a cada dois meses, a equipe de engenharia da Santa Casa realiza vistorias em todas as estruturas do complexo. Uma museóloga e um restaurador, contratados permanentemente pela instituição, complementam o trabalho constante de atenção.
Recursos
Como conta o provedor da Santa Casa, José Antônio Rodrigues Alves, as intervenções misturam recursos próprios e investimentos externos. Apesar de se estabelecer como uma instituição religiosa fundada em princípios católicos, não é subordinada à Arquidiocese. A primeira grande intervenção aconteceu na década de 2000. A Igreja, que foi palco dos sermões do padre Antônio Vieira, esteve fechada para restauração de 2001 a 2008, viabilizada pela Lei Rouanet.
Logo em seguida, em 2009, uma nova intervenção aconteceu nos azulejos portugueses que estão presentes no espaço, através de captação de recursos da Fundação Calouste Gulbenkian, de Lisboa. Eles datam do século 18, do período Barroco. “São painéis figurativos que retratam procissões que a irmandade realizava, cortejos fúnebres de membros e não membros mais humildes”, diz a museóloga Osvaldina Cezar.
Uma dos painéis de azulejo presentes no espaço
Uma dos painéis de azulejo presentes no espaço Crédito: Arisson Marinho/CORREIO
Em 2011, quando a irmandade recebeu quadros de José Joaquim da Rocha que estavam no Museu de Arte da Bahia, a recuperação deles foi feita com recursos próprios e uma sala foi reservada para abrigar e expor as obras. “Criamos um fundo de cultura interno oriundo da arrecadação da bilheteria, que é tímida, mas persistente. Com ele, conseguimos ainda recuperar os painéis que compõem o altar da igreja”, lembra o provedor.
O que ficou faltando na igreja foi contemplado em 2021, quando recursos do Fundo de Defesa de Direitos Difusos, do Governo Federal, e recursos da Prefeitura de Salvador foram somados para mais um projeto de recuperação. O local ficou fechado até 2024, quando a obra foi entregue. “Visitamos unidades de risco, fizemos escavações, colocamos suporte de infraestrutura na lateral e no telhado”, relata o provedor.
A museóloga, que trabalha na Santa Casa há nove anos, explica que a igreja passou nessas duas últimas intervenções por uma grande transformação que visava recuperar estruturas mais antigas. “O teto estava coberto por tinta, havia muito colorido escondido, algumas pinturas estavam escurecidas por conta da oxidação do pigmento. Foi assim que descobrimos 14 imagens que representam os princípios de misericórdia que estão nos painéis do teto, com a ajuda de um bisturi cirúrgico, camada por camada”, diz Osvaldina.
Salão Nobre abriga conjunto de painéis no teto também presentes na Igreja da Misericórdia e na Igreja de São Francisco
Salão Nobre abriga conjunto de painéis no teto também presentes na Igreja da Misericórdia e na Igreja de São Francisco Crédito: Arisson Marinho/CORREIO
Os painéis lembram muito o estilo retratado na Igreja de São Francisco, no Pelourinho, cujo forro do teto desabou no dia 5 de fevereiro deste ano, deixando uma turista morta. “São estruturas de madeira nessas formas geométricas com esses painéis barrocos que vão sendo encaixados. Eram um padrão nas igrejas naquela época”, complementa a especialista.
O espaço ainda ganhou um auditório, uma estrutura para um café e outras salas de exposição. Em uma delas, estão registros das ações de cuidados com enfermos no espaço que deu origem ao primeiro hospital da Bahia e serviu de centro de estudos para o surgimento da primeira faculdade de Medicina do Brasil, da Ufba.
Os objetos incluem uma réplica da chamada roda dos expostos, onde crianças eram deixadas pelas mães que não tinham condições de criá-las. A invenção data de 1726 e começou funcionando da Ladeira da Misericórdia, antes de ser transferida para a Pupileira no século 19 e descontinuada em 1935.
Uma das salas de exposição, dedicada à memória de cuidados com enfermos
Uma das salas de exposição, dedicada à memória de cuidados com enfermos Crédito: Arisson Marinho/CORREIO
Segredo
A próxima meta é realizar ao menos duas exposições de artistas baianos por ano e retomar as missas e eventos como batizados e casamentos até outubro de 2025. “Tudo isso pensando na integração com a sociedade e com a cidade, não meramente para arrecadar recursos, porque o primeiro passo é ganhar a valorização da comunidade”, enfatiza José Antônio Rodrigues Alves.
Para ele, o segredo está em “manter o patrimônio vivo” e estabelecer uma “cultura organizacional de preservação”. “Nós temos essa missão cultural como algo enraizado, da mesma forma que temos a missão de fazer ações nas áreas de saúde, social e ensino e pesquisa”, acrescenta.
Visitantes circulam em uma das salas de exposição de objetos
Visitantes circulam em uma das salas de exposição de objetos Crédito: Arisson Marinho/CORREIO
O provedor enfatiza o comprometimento dos membros da Santa Casa e o historiador Pablo Magalhães acrescenta que a irmandade sempre foi uma instituição associada às elites locais, fincada em relações de poder. “Esse prestígio político e financeiro é, até hoje, uma vantagem sobre outras instituições”, avalia o especialista.
Reportagem completa no link abaixo:
Foto do(a) author(a) Carolina Cerqueira
Por: Carolina Cerqueira
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